domingo, 25 de outubro de 2015

por Helio Gurovitz

Para além de coxinhas e mortadelas


O filósofo canadense Joseph Heath, da Universidade de Toronto,  autor de Enlightenment 2.0Em praticamente todas as democracias, a política contemporânea tem sido marcada pela polarização e pelo discurso extremista e irracional. O ódio assumiu o lugar do diálogo produtivo nas disputas entre republicanos e democratas, entre liberais e conservadores, ou mesmo – para usar os termos da moda aqui no Brasil – entre coxinhas e mortadelas. A vitória de Justin Trudeau, do Partido Liberal, nas últimas eleições canadenses foi uma exceção, pois ele é um candidato de matiz moderado, como já escrevi aqui. Mesmo assim, a campanha canadense foi marcada pela polarização. O filósofo Joseph Heath, da Universidade de Toronto, lançou no ano passado um livro que tenta decifrar esse fenômeno e propor saídas para ele. Para Heath, como explico em minha coluna desta semana na revista Época, a raiz da irracionalidade na política são as críticas feitas aos ideiais do Iluminismo ao longo do século XX, marcado por guerras, genocídios e armas nucleares. É verdade, diz Heath, que os iluministas desprezaram a força da intuição e de nossas emoções. Mas os arautos modernos da intuição se transformaram em defensores de decisões irracionais, quando não simplesmente erradas. O motivo é a ignorância de ambos, iluministas e seus críticos, a respeito do funcionamento da mente humana, descrito por conhecimentos que emergiram apenas nas últimas décadas. O principal é a descoberta dos dois sistemas que regem a tomada de decisões. O primeiro, baseado na razão e na linguagem, mais lento e seguro. O segundo, baseado na intuição e nas emoções, mais veloz e mais propenso a erros. Não dá, diz Heath, para ignorar nenhum dos dois. Mas é preciso reconhecer o óbvio: a razão sempre tem razão. Heath defende, portanto, que a sociedade e as instituições desenvolvam truques capazes de driblar as ilusões oriundas das nossas intuições. É um retorno ao primado da razão, às decisões mais lentas e fundamentadas, resultado de discussões amplas e profundas – uma proposta que ele chama de Iluminismo 2.0. Difícil, mas não impossível.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

E depois?





Em outubro de 2014, após conhecido o resultado das eleições escrevi o post Bra vs. Sil sobre o resultado daquela histórica eleição projetando os possíveis desdobramentos da apertada vitória nas urnas na condução política do segundo mandato de Dilma Rousseff.


Menos de um ano depois, é possível afirmar que a crise política e econômica seguem numa crescente que pode culminar numa situação lamentável para a curta história democrática brasileira: um segundo impeachment presidencial motivado por denúncias e esquemas de corrupção que, a rigor, envolvem quase toda a classe política brasileira.
 
Martin Luther King afirmou em um de seus sermões: "Nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez conscienciosa."
 
Questionar factóides e propagandas veladas deveria fazer parte do processo crítico pelo qual colhemos informações veiculadas nas mídias para formar uma opinião. É uma tremenda estupidez deixar de consultar veículos de informação ideologicamente antagônicos dividindo-os um como "o lado bom" e outro como "o lado ruim".
 
Uma abordagem maniqueísta só é capaz de formar uma opinião pública replicadora de ideologias sem a capacidade de enxergar outro lado, sem capacidade de negociar, sem a capacidade de dialogar e por fim, para desgraça da espécie que leva a sapiência no nome, sem a capacidade de raciocinar. Num cenário desses somos um rebanho seguindo os que têm um bom palanque pra disseminar extremismos recheados de ódio.
 
Como é típico deste tipo de discurso ideológico e/ou (falso)moralista, falta razão e sobra emoção. O têmpero da recessão econômica (que é causa e consequência) completa as lacunas que faltaram em outras oportunidades e engrossam o coro ao redor daqueles que fazem a política do quanto pior, melhor. E assim, a queda da presidente vai se consolidando como a única e melhor saída para uma crise que se agrava pelo esforço de autopreservação de figuras deploráveis como Eduardo Cunha que foi seguido por partidos  (PDT e PTB) da base aliada que romperam com o governo pelo bem dos trabalhadores(sic).  Dizem que os ratos são os primeiros a abandonar um navio indo a pique.
 
Nos últimos dias a figura do vice presidente Michel Temer destacou-se pelo discurso clamando a união e que foi apoiado por representantes do setor produtivo. O que parece ser uma reação em defesa da isolada presidente, na verdade pode significar o início de um processo de sucessão pra atender as angústias de rebanho em fúria. Mas e depois?
 
Quando o rodeio acaba só os palhaços permanecem na arena.  
 

quinta-feira, 30 de abril de 2015

A volta de Momo


Diz-se em algum momento na mitologia grega que o deus Momo, personificação da ironia e do sarcasmo, fora expulso do Olimpo após zombar de Zeus, Atenas e Prometeu e suas respectivas invenções: o touro, a casa e o homem. Reza a lenda que Momo, escolhido para arbitrar a disputa entre os caprichosos deuses teria dito que o touro não deveria ter os olhos embaixo dos chifres para ver quem ataca, a casa deveria ter rodas para ser levada com quem se muda e o homem deveria ter o coração do lado de fora para mostrar sua essência sem escondê-la. 

Momo, porém, voltaria ao Olimpo para aconselhar Zeus na resolução do problema de superpopulação da Terra. E assim seguindo seu nefasto ou irônico conselho, o maior dos deuses fomentou um conflito entre os homens que se tornou conhecido como a Guerra de Tróia.

Todos os dias percebo que os deuses da mitologia Tupiniquim contemporânea ficam, no devaneio das suas disputas, enfurecidos com Momo que é equivocadamente rotulado de branco, preto, vermelho, azul, coxinha, intolerante, machista, homofóbico, comunista, capitalista, etc etc quando na verdade ele é apenas a sarcástica e por vezes ignóbil e ignorável ironia.

A fúria é tamanha que mais dia ou menos dia expulsaremos Momo daqui achando que a disputa estará resolvida, mas e quando ele voltar?

"Momo criticando o trabalho dos deuses" de Maarten van Heemskerck, 1561,
 Gemäldegalerie, Berlin

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Unidos de São Paulo


Meu feriado de Carnaval foi bem parecido com o dos anos anteriores.

Desta vez, fomos pra(o) praia/interior dar uma relaxada. O trânsito estava bastante carregado nos acessos da Castelo/Imigrantes/Fernão/Dutra. Até pelo menos o primeiro pedágio (que aumentou a tarifa) fomos indo na base do anda e para. Um saco de biscoito de polvilho não foi suficiente pra tamanho tempo perdido no congestionamento. No fim dessa jornada, a viagem que levaria 1/2/3 horas acabou levando 6/7/8. Chegamos de madrugada e exaustos.

No outro dia acabamos acordando muito tarde por conta da noite anterior. O dia não estava lá essas coisas, mas deu pra aproveitar. A noite saímos para aproveitar o único local com uma programação de eventos de carnaval. Tudo muito parecido com o ano anterior, talvez um pouco mais cheio...

Assim foi no Domingo, Segunda e Terça. Uma chuvinha no fim de tarde ali, ou aqui, mas nada que atrapalhasse.

Quarta-feira de cinzas é dia de juntar o que sobrou e voltar pra casa. O mesmo passo da ida se fez presente na volta. Longas filas e horas dentro do carro...só que com um ar de cortejo fúnebre em que o defunto (ou quase isso) somos nós.

Em 2015 será diferente...

Os 28 anos me fizeram repensar toda essa sina de Carnaval. Ainda não sei se estou velho demais pra enfrentar horas de trânsito e pequenos lugarejos super lotados ou se sou demasiadamente jovem para aproveitar os bons momentos livres da forma tradicional que ainda entusiasma algumas pessoas.

Fato é que o Carnaval de 2015 será aproveitado na seca e selvagem São Paulo. Até onde a memória me permite acesso, nenhum dos meus 27 carnavais anteriores eu passei na terra de Piratininga. Mesmo no ano de 2003, quando desfilei no Anhembi pela Unidos de Vila Maria, eu fui para a saudosa Praia Grande logo após o desfile.

Quesito Decisão: Nota 10.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Titanic e eu



Com pouco mais de 10 anos fui surpreendido com a então superprodução "Titanic" (1997). É bem possível que as não usuais longas três horas da saga de Jack e Rose tivessem passado em vão se meu pai não tivesse aparecido em casa com o cd "Let's Talk About Love" (1998) de Céline Dion e que trazia na décima segunda faixa a temida/adorada/odiada/repetida My Heart Will Go On. Lembro bem que essa foi a primeira música em inglês que eu cantaria sem fazer o embromation.

Numa época em que pesquisa na internet só de domingo a noite pra cobrar 1 pulso, eu seria capaz de listar todas as especificações técnicas (inúteis) do transatlântico que nem Deus afundaria. Nos anos seguintes, lembro que fiz meu pai comprar por algum tempo uma revista semanal chamada "Navios e Veleiros"  (Ed. Planeta) onde pude me aprofundar um pouco mais no assunto e as peculiares terminologias e simbolismos ligados às navegações. Tamanho interesse com um mundo completamente fora da realidade de um garoto que cresceu na cidade durou por uns bons anos e quase culminou num inconsequente alistamento na Marinha. Vai entender...

Pois bem, todo esse interesse peculiar com o universo naval acabou me tornando um pequeno admirador de transatlânticos e navios em geral de tal maneira que este ano resolvi (com meu amor) viver uma experiência parecida com àquela vivida pelos passageiros do Titanic. Felizmente, o final da minha história é bem menos trágico.

Os grandes cruzeiros impressionam qualquer um pelo seus tamanhos e imponência. É humanamente impossível ignorar mais de dez reluzentes andares flutuando no cais de um porto ou atracado em uma baía. São aquelas coisas que nem mesmo o hábito é capaz de fazer serem ignoradas.

Foi com essa admiração que fui recebido pelo colossal transatlântico Costa Favolosa na chegada ao porto de Santos. E não havia como não fazer um paralelo com o gigante que partira de Southampton 102 anos antes e com o qual tive por anos uma relação bem particular.

A estadia no chamado Fairytale Castle começou de maneira bastante confusa tanto por falta de pesquisa da minha parte como por falta de comunicação da cia. marítima e de um camareiro brasileiro (coisa rara a bordo) confuso e esquecido.

A falta de informações nos deixou à deriva nas nossas primeiras horas a bordo do luxuoso navio que realmente faz jus à sua alcunha. Durante nossa perambulação em buscas de informações pelo navio fomos nos acostumando com os salões de jantar que remetem à realeza, a começar pelos seus nomes: Duca D'Orleans e Duca di Borgogna. A decoração chama atenção pela quantidade de luzes que tornam os ambientes cintilantes.

Confesso que tamanha suntuosidade não me afetou positivamente e digo, sem hipocrisia, me incomodou um pouco. Se a tecnologia e a segurança a bordo evoluíram, a estética e comportamento social dos passageiros preferiu ficar no passado. Jantares de gala com antiquados vestidos de gala e ternos em pleno verão no hemisfério sul me parecem exigências fora desse tempo. Minha aversão por trajes de gala em qualquer ocasião talvez explique em partes essa inquietude para eventos assim. Porém, mais do que falta de "requinte" da minha parte, meu objetivo sempre foi de passar uma semana de férias calçando meus confortáveis chinelos e bermudas. E assim foi em pelo menos uma das noites de "gala".

Durante o dia, famílias inteiras, da vovó ao netinho mostravam como deveriam ser as caricatas refeições da realeza nos séculos XV e XVI. Desperdício seria pouco pra descrever o que acontece nos buffets livres do Costa Favolosa. Luís XIV e Maria Antonieta ficariam chocados...

Felizmente, nem tudo é desperdício e ostentação num navio de cruzeiro. As atividades de lazer, esporte e entretenimento a bordo são infinitas e ótimas para quem quer se divertir de maneira, digamos, mais sustentável.

Durante a noite, números de dança, música e lúdicos conseguem entreter de maneira louvável uma platéia plural composta por idosos, adultos e crianças. Durante o dia, uma equipe de animadores e dançarinos coordena uma extensa programação de gincanas e jogos que animam os bares e piscinas a bordo.

Numa das gincanas em que os passageiros  deveriam reconhecer hinos de países ganhei uma pochete, sim uma pochete, lembra do atraso estético que falei antes? E fruto talvez de um acaso digno do roteiro de "Quem quer ser um milionário" (2008) os hinos que acertei foram de Índia e, ironicamente, Canadá, o país natal de Céline Dion. Every night in my dreams...
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