terça-feira, 25 de maio de 2021

Revolução dos Ypês ou Evangelistão?

    O governo do capitão (rebelde) reformado Jair Bolsonaro começou em 2019 sendo visto como uma extensão política do exército. O apelidado partido verde-oliva começou no governo compondo a chamada ala militar de um governo de ultradireita conservadora. A boa relação se desdobrou em privilégios na reforma da previdência e também através de inúmeros cargos na administração pública. 

    Quase três anos depois, muitos generais da reserva que compunham o governo abandonaram a atual gestão com suas críticas. Os que ficaram se apegam a não se sabe exatamente o quê. De modo que, atualmente só existe uma ala dentro do governo: a ideológica. Dentro dela há também médicos, militares, engenheiros, economistas, pastores, e todos os tipos de pessoas. Uma demonstração de quão difuso na sociedade está o bolsonarismo tal qual foi com o nazi-fascismo. 

    Jair Bolsonaro tira de rodapés da história o ideal integralista de Plínio Salgado e inaugura o que eu chamo de neointegralismopentecostal.

    O discurso, a estética e as condutas fascistas caracterizam, ora diretamente ora por cinicamente, todos os atos do atual governo que tem o perigoso apoio de setores armados da população. Os acontecimentos do último fim de semana de Maio/2021 certamente entrarão para a história como uma das mais altas apostas de Jair Bolsonaro na definição do seu futuro na posição de liderança dessa onda fascista.

    Numa encenação das práticas do seu antecessor italiano, Benito Mussolini, o passeio moto ciclístico de Jair Bolsonaro fere duramente a democracia brasileira não só pela habitual aglomeração promovida em plena pandemia, mas pela ferida que abre naquela que, até então, era tida como uma instituição aliada ao seu projeto autoritário, o Exército. 

    Desde o início, Bolsonaro ensaia cooptar as forças armadas num modelo miliciano de gestão pública que nada tem a ver com as forças militares e de estado modernas. Por diversas vezes prevaleceu, por parte das lideranças destas mesmas forças, os comportamentos lúcidos e maduros de se afastar de qualquer aventura golpista. Até mesmo quando uma parcela considerável da população poderia dar certo apoio a esse tipo de solução inconstitucional. 

    Há de se reconhecer que estas forças nunca ultrapassaram qualquer limiar que pudéssemos apontar como ruptura das grades que a missão constitucional impõem. Por certo tempo isso demonstrou até ser um sadio contraponto no controle de rompantes da milícia bolsonarista. Tarefa esta que não deve ser fácil dentro de instituições que perderam espaço de poder político com redemocratização.

    A presença de um general de brigada da ativa no palanque bolsonarista é sem dúvida o desafio mais grave até aqui. Fato este que foi corretamente interpretado como conduta inadequada e passível de prisão por alguns membros do alto comando militar. E isso não é pouco dentro de uma instituição de Estado baseada em preceitos como disciplina e hierarquia.

    Se aqui fora os desdobramentos da pandemia ocupam nossa lista de preocupações. Algo me diz que dentro dos quartéis muitas movimentações devem estar acontecendo. 

    Vejo diante de nós dois cenários possíveis. Um otimista e outro pessimista.

    No cenário pessimista, Bolsonaro submete as forças armadas usando os quadros fiéis ao seu projeto neointegralistapentecostal. Daí em diante entramos num período extremamente sombrio e duradouro. Sem qualquer perspectiva de futuro como a nação progressista e moderna. Possivelmente começaríamos como uma espécie de teocracia cristã ocidental nos moldes islâmicos da Turquia.

    Nos colocaríamos perigosamente como porta-vozes do que há de pior no ocidente: intolerância racial, religiosa, econômica. Colheríamos frutos amargos de uma condição ao mesmo tempo agressiva ao multilateralismo e subserviente à interesses anglo-norte-americanos. Isso em troca de migalhas oferecidas a uma super-protegida e numerosa (01, 02, 03....) oligarquia que garantiria longevidade a um sistema que já começa com uma linha sucessória no melhor estilo Sadam Hussein.

    Assim nos tornamos uma espécie de Paquistão do Oeste, ou melhor, um Evangelistão.

    Os recentes conflitos da chamada "diplomacia da vacina" introduzem as consequências desse projeto para o Brasil. Ficou claro em dado momento que a propaganda, travestida de bravata, do chamado "vírus chinês" permaneceu circulando no ocidente, logo no mundo, através de locutores bolsonaristas. As sanções, claro, desembarcaram no nosso país e o ritmo de vacinação desacelerou.

    Não me assustaria se extremistas brasileiros começassem a protagonizar atentados suicidas contra os "inimigos do ocidente" nos próximos anos. China, Cuba, Venezuela seriam alvos óbvios dessa "guerra santa" no século XXI.

    No cenário otimista, as forças armadas constitucionais aliadas aos setores organizados e progressistas da sociedade civil conseguem suprimir a perigosa horda miliciana bolsonarista e restabelece a normalidade institucional e democrática no país.

    Neste cenário poderemos testemunhar uma espécie de Revolução dos Cravos à brasileira (gosto de chamar Revolução dos Ypês). Possivelmente com pouco ou sem derramamento de sangue haja visto a disparidade de forças. Isso se o famoso espírito de corpo sobreviver até lá. Ficaria marcada para a posteridade a consagração entre a sociedade civil e, agora verdadeiramente, suas forças armadas para construção de um estado democrático moderno e alinhado aos valores de liberdades individuais do ocidente. 

    Seria estabelecido um pacto talvez nunca antes firmado no Brasil.

    O primeiro cenário certamente resultará em longo e contínuo período de derramamento de sangue haja visto os compromissos, condutas e crenças das lideranças do regime. Já o segundo cenário poderia verdadeiramente carimbar o passaporte brasileiro como estado livre, moderno e soberano. Requisitos fundamentais para assumir seu papel de relevância geopolítica no mundo ocidental.

    Portanto, Bolsonaro pode ter se colocado diante do maior e talvez único obstáculo para tomar para si o poder. Se vencer, sua profecia se completará e ele só sairá morto da presidência.

    Em oposição, as forças armadas constitucionais brasileiras tem oportunidade de ouro de reparar a imagem histórica atrelada ao repressivo regime militar de 1964-1985 e reforçar seu compromisso estatutário com a Pátria para reestabelecer ou garantir, dentro da legalidade constitucional, a ordem democrática diante de ameaça iminente ao estado de direto que o bolsonarismo representa.

    As peças do tabuleiro estão postas e frente a frente como nunca estiveram antes. Que a saudação nos quartéis brasileiros nunca se torne uma espécie de Anauê! Nem Caveira!