terça-feira, 25 de maio de 2021

Revolução dos Ypês ou Evangelistão?

    O governo do capitão (rebelde) reformado Jair Bolsonaro começou em 2019 sendo visto como uma extensão política do exército. O apelidado partido verde-oliva começou no governo compondo a chamada ala militar de um governo de ultradireita conservadora. A boa relação se desdobrou em privilégios na reforma da previdência e também através de inúmeros cargos na administração pública. 

    Quase três anos depois, muitos generais da reserva que compunham o governo abandonaram a atual gestão com suas críticas. Os que ficaram se apegam a não se sabe exatamente o quê. De modo que, atualmente só existe uma ala dentro do governo: a ideológica. Dentro dela há também médicos, militares, engenheiros, economistas, pastores, e todos os tipos de pessoas. Uma demonstração de quão difuso na sociedade está o bolsonarismo tal qual foi com o nazi-fascismo. 

    Jair Bolsonaro tira de rodapés da história o ideal integralista de Plínio Salgado e inaugura o que eu chamo de neointegralismopentecostal.

    O discurso, a estética e as condutas fascistas caracterizam, ora diretamente ora por cinicamente, todos os atos do atual governo que tem o perigoso apoio de setores armados da população. Os acontecimentos do último fim de semana de Maio/2021 certamente entrarão para a história como uma das mais altas apostas de Jair Bolsonaro na definição do seu futuro na posição de liderança dessa onda fascista.

    Numa encenação das práticas do seu antecessor italiano, Benito Mussolini, o passeio moto ciclístico de Jair Bolsonaro fere duramente a democracia brasileira não só pela habitual aglomeração promovida em plena pandemia, mas pela ferida que abre naquela que, até então, era tida como uma instituição aliada ao seu projeto autoritário, o Exército. 

    Desde o início, Bolsonaro ensaia cooptar as forças armadas num modelo miliciano de gestão pública que nada tem a ver com as forças militares e de estado modernas. Por diversas vezes prevaleceu, por parte das lideranças destas mesmas forças, os comportamentos lúcidos e maduros de se afastar de qualquer aventura golpista. Até mesmo quando uma parcela considerável da população poderia dar certo apoio a esse tipo de solução inconstitucional. 

    Há de se reconhecer que estas forças nunca ultrapassaram qualquer limiar que pudéssemos apontar como ruptura das grades que a missão constitucional impõem. Por certo tempo isso demonstrou até ser um sadio contraponto no controle de rompantes da milícia bolsonarista. Tarefa esta que não deve ser fácil dentro de instituições que perderam espaço de poder político com redemocratização.

    A presença de um general de brigada da ativa no palanque bolsonarista é sem dúvida o desafio mais grave até aqui. Fato este que foi corretamente interpretado como conduta inadequada e passível de prisão por alguns membros do alto comando militar. E isso não é pouco dentro de uma instituição de Estado baseada em preceitos como disciplina e hierarquia.

    Se aqui fora os desdobramentos da pandemia ocupam nossa lista de preocupações. Algo me diz que dentro dos quartéis muitas movimentações devem estar acontecendo. 

    Vejo diante de nós dois cenários possíveis. Um otimista e outro pessimista.

    No cenário pessimista, Bolsonaro submete as forças armadas usando os quadros fiéis ao seu projeto neointegralistapentecostal. Daí em diante entramos num período extremamente sombrio e duradouro. Sem qualquer perspectiva de futuro como a nação progressista e moderna. Possivelmente começaríamos como uma espécie de teocracia cristã ocidental nos moldes islâmicos da Turquia.

    Nos colocaríamos perigosamente como porta-vozes do que há de pior no ocidente: intolerância racial, religiosa, econômica. Colheríamos frutos amargos de uma condição ao mesmo tempo agressiva ao multilateralismo e subserviente à interesses anglo-norte-americanos. Isso em troca de migalhas oferecidas a uma super-protegida e numerosa (01, 02, 03....) oligarquia que garantiria longevidade a um sistema que já começa com uma linha sucessória no melhor estilo Sadam Hussein.

    Assim nos tornamos uma espécie de Paquistão do Oeste, ou melhor, um Evangelistão.

    Os recentes conflitos da chamada "diplomacia da vacina" introduzem as consequências desse projeto para o Brasil. Ficou claro em dado momento que a propaganda, travestida de bravata, do chamado "vírus chinês" permaneceu circulando no ocidente, logo no mundo, através de locutores bolsonaristas. As sanções, claro, desembarcaram no nosso país e o ritmo de vacinação desacelerou.

    Não me assustaria se extremistas brasileiros começassem a protagonizar atentados suicidas contra os "inimigos do ocidente" nos próximos anos. China, Cuba, Venezuela seriam alvos óbvios dessa "guerra santa" no século XXI.

    No cenário otimista, as forças armadas constitucionais aliadas aos setores organizados e progressistas da sociedade civil conseguem suprimir a perigosa horda miliciana bolsonarista e restabelece a normalidade institucional e democrática no país.

    Neste cenário poderemos testemunhar uma espécie de Revolução dos Cravos à brasileira (gosto de chamar Revolução dos Ypês). Possivelmente com pouco ou sem derramamento de sangue haja visto a disparidade de forças. Isso se o famoso espírito de corpo sobreviver até lá. Ficaria marcada para a posteridade a consagração entre a sociedade civil e, agora verdadeiramente, suas forças armadas para construção de um estado democrático moderno e alinhado aos valores de liberdades individuais do ocidente. 

    Seria estabelecido um pacto talvez nunca antes firmado no Brasil.

    O primeiro cenário certamente resultará em longo e contínuo período de derramamento de sangue haja visto os compromissos, condutas e crenças das lideranças do regime. Já o segundo cenário poderia verdadeiramente carimbar o passaporte brasileiro como estado livre, moderno e soberano. Requisitos fundamentais para assumir seu papel de relevância geopolítica no mundo ocidental.

    Portanto, Bolsonaro pode ter se colocado diante do maior e talvez único obstáculo para tomar para si o poder. Se vencer, sua profecia se completará e ele só sairá morto da presidência.

    Em oposição, as forças armadas constitucionais brasileiras tem oportunidade de ouro de reparar a imagem histórica atrelada ao repressivo regime militar de 1964-1985 e reforçar seu compromisso estatutário com a Pátria para reestabelecer ou garantir, dentro da legalidade constitucional, a ordem democrática diante de ameaça iminente ao estado de direto que o bolsonarismo representa.

    As peças do tabuleiro estão postas e frente a frente como nunca estiveram antes. Que a saudação nos quartéis brasileiros nunca se torne uma espécie de Anauê! Nem Caveira!

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Muros de cartas


Imaginem que certo dia um vizinho excêntrico propusesse construir um muro de cartas empilhadas entre os vossos  hipotéticos sítios. Claro que a oferta viria com a promessa de que você não gastaria um tostão dos seus preciosos tempo e dinheiro.

Adicionem o fato de que esse mesmo vizinho tivesse, digamos, animais de estimação soltos pelo quintal. Vários animaizinhos...

Uns calmos e inofensivos, outros mais agitados e ariscos.

A nova estrutura certamente ficaria bonita e faria a vida dos tais bichinhos mais agradável e verde uma vez que no seu lado do muro haveria uma bela área verde com um grande lago.

A única contrapartida por tamanha benfeitoria seria a manutenção dessa grande melhoria.

O problema é que ficou muito claro que o vizinho tinha uma afeição especial pelos seus  porquinhos. Em ultima análise, eles teriam sido a razão de tal obra já que o chiqueiro já não lhes parecia espaçoso o suficiente.

No fundo, o plano do vizinho sempre foi transformar seu lago num chiqueiro maior em nome da fauna toda.

E assim com a ajuda dos queridos e desastrados porquinhos esse muro se tornaria uma grande dor de cabeça pra você. Até o ponto em que desistir torna-se-ia a melhor solução. Assim um chiqueiro maior nasceria e os porcos estariam mais felizes.

Hoje, a décima quinta placa de vidro foi quebrada entre a raia da USP e a marginal. No fim eu penso que o único objetivo dessa obra será o de aumentar a marginal em uma faixa. Assim os porcos poderão chafurdar mais felizes às custas do vizinho ingênuo que você foi...









terça-feira, 5 de junho de 2018

Camisa 10

Atenção o texto que vem a seguir está repleto de bordões, clichês e patriotismo oportunista. Se o futebol do Brasil não é do seu interesse ou te irrita de alguma maneira, fique a vontade para ler e constatar que ele realmente deve ser tudo o que você abomina. O objetivo não é mudar a opinião de quem nunca gostou, mas de resgatar aqueles que, como eu, não conseguem deixar de amar esse esporte e sentem-se de alguma maneira censurados ultimamente.

De 2014 pra cá não foi muito tranquilo viver no Brasil entre coxinhas e mortadelas. Claro que não pelo sentido gastronômico, mas pelo peso político pejorativo que as iguarias ganharam nesses últimos 4 longos anos. E como não poderia ser diferente na “pátria de chuteiras”, o nível de acirramento e nervos à flor da pele fez com que alguns analistas alertassem que a complexidade do debate não deveria resumir-se a um Fla-Flu, o mítico clássico carioca. 


Ainda em 2014, os denominados “mortadelas” elegeram, por margem estreita, um governo de esquerda. Na verdade, esse governo dito de esquerda parecia mais aquele ponta de lança destro colocado na esquerda pra “chutar pra dentro”. A gente acha graça no começo, mas no fundo sabe que não dá certo por muito tempo...E tinha outro problema. O juizão deixou o time todo desse governo amarelado, inclusive o capitão.


 Os ditos “coxinhas” foram então às ruas dois anos depois para pedir a cabeça da presidenta eleita. E a disputa marcada pelas paixões acabou, em algum momento, colocando em campo a nossa camisa Canarinho. É aí que a coisa azedou...


Vestir a verde-amarela virou sinônimo de identificação político-ideológica. E o debate já raso ganhou cores rotulantes pra simplificar absurdos: verde-amarelo pra um lado e vermelho pro outro.

A mudança de governo veio, só que foi como ter trocado um volante por outro querendo virar um jogo duro e desgastante.

O baque da desilusão bateu forte e muita gente trocou o amarelo da camisa pelo rubor nas bochechas. E lá se foi o manto sagrado pro fundo de outras tantas gavetas.


A esquerda cheia de si produziu uma cromática resposta através de um modelo de camisa na cor vermelha. Uma verdadeira viagem de quem, muito provavelmente, não vive e não aprecia o futebol verdadeiramente e viu no ataque ao símbolo uma forma de propagandear uma ideologia e não a paixão pela nossa seleção. Alguns estamparam a sigla da extinta CBD (Confederação Brasileira de Desporto) numa tentativa de distanciar-se da notoriamente corrupta CBF ( Confederação Brasileira de Futebol). A “catolississima” Cruz de Malta parece ter sido mantida em vários dos modelos ironicamente chamados de “versões comunistas”.


A consequência de indevidas apropriações é que não se veem as mobilizações pela busca nem orgulho em vestir a lendária camisa verde-amarela faltando apenas 10 dias pra Copa da Rússia. 


E isso é triste pra um país que carece de alguma unidade para abertura de canais sadios e maduros para outros debates.

Goste ou não, o futebol brasileiro é uma das produções esportiva, cultural e financeira mais bem sucedidas que esse país tem proporcionado para a humanidade e seria uma grande derrota pra nós, como nação, perder o que com custo foi construído.


Assim como "coxinhas" não tinham nada que se apropriar desse símbolo de unidade e orgulho nacional, os "mortadelas" não tem o direito de rotulá-lo de outra forma senão como um dos símbolos de maior orgulho do Brasil. Modificá-lo então parece coisa de gente com intenções duvidosas em relação ao futebol brasileiro.

A camisa verde-amarela da seleção brasileira é patrimônio da humanidade. Maior que toda nossa mesquinhez político-ideologica. Devia ter sido incluída no parágrafo primeiro do artigo 13 da Constituição Federal como símbolo oficial da República. Assim quem sabe não chegaríamos em tal situação.


Por isso termino fazendo um apelo a você amigo ou amiga que viveu tudo isso até aqui:


Vistamos a amarelinha de novo com orgulho e que o único rótulo possível volte a ser o de que amamos o futebol do Brasil e vamos torcer pelo time do Prof. Tite até o final.


 E “Hasta la victoria siempre!”.





PS1.: Analistas que dizem que o debate político no Brasil virou Fla-Flu comentem injustiça com significado e grandeza do clássico mais famoso do Brasil. Por favor, usem outra expressão.

PS2.: A camisa azul tambem é especial e, particularmente esse ano está linda.




quarta-feira, 20 de setembro de 2017

O perigo vermelho


Em 2013, Brasil e Turquia fervilharam com protestos fortemente marcados pelo cyberativismo e que cresceram subita e inexplicavelmente em reação a uma repressão policial desproporcional. Reação que, de certa maneira, poderia-se considerar habitual pros padrões das autoridades locais.

Afinal, até então quem nunca ouviu ou emitiu o seguinte bordão:

"Protestante vagabundo tem que tomar borrachada mesmo".

(Eu mesmo já fiz isso nesse blog)

Em 2013 algo foi diferente...

Em ambos países, a motivação original dos protestos parecia localizada e pequena pra brutal reação da autoridade policial. Aqui foram os tais 20 centavos, na Turquia os planos de reforma na Praça Taskim.

A passagem de onibus? As árvores de uma praça?

Talvez grandes revoluções comecem motivadas por pequenos acontecimentos, a energia de ativação pra um processo latente.

Mas no nosso caso, e talvez no turco, o desenrolar dos fatos sempre me pareceu inflado e artificial demais para o histórico de negligência popular às grandes e reais demandas latentes.

Brasília e Ancara são bases geopolíticas regionais estratégicas e que, aparentemente, seguiam caminhos diferentes do seu papel histórico secular. Por aqui um governo de esquerda menos conservador se alinhando com outras potências. Por lá, desenrolava-se uma caminhada rumo a uma ocidentalização e uma interessante integração com a Europa.

Me pergunto o que mobilizou tanta gente aqui e lá, mas os desfechos são que me motivam a escrever.

Passadas as marchas de 2013 aqui e lá, o saldo parece ser o seguinte:

A Turquia vive hoje um regime autoritário com caráter conservador. Em 2016, houve uma suposta "tentativa de golpe" que serviu efetivamente apenas pra endurecer o regime do Erdogan e permitir sua perpetuação no poder. Ele lidera o país desde 2003.

Essa semana, o ano letivo turco começou com alterações polêmicas em livros didáticos de um país dito laico. Dentre as mudanças, foi suprimido o conceito biológico da evolução e foram introduzidos conceitos islâmicos de caráter sexista e da jihad.

Se alguém temia que virassemos uma Venezuela, acho que poderá ser pior. Caminhamos desde 2013 como a Turquia. O problema é que só falta um personagem entrar na história e pra desempenhar o único papel que lhe cabe. E não estou falando de Fora Temer.

A sensação é que estamos novamente a um triz do fundo de um poço em que já ficamos atolados mais de 20 anos em nome da família, da moralidade e bem do Brasil.

Görüşürüz!




quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Desculpe o transtorno, preciso falar da Lava-Jato


Conheci ela num Jornal Nacional apresentado por um William Bonner ainda casado com Fátima Bernardes. Pode parecer bastante "coxinha" imaginar aquele lar classe média anti-petista paulistana. Mas as reportagens e fases que se seguiram nos meses adiante era tudo que precisávamos naquele momento após o agitado ano de 2013. De novo, não eram só 20 centavos.

Ela tinha destaque na Globo. Minha família assiste Globo. Eu não assisto Globo, mas vivo sob o mesmo teto que minha família.

Ela estava lá. Denunciando, prendendo, delatando. Nunca vou me esquecer quando Cerveró, Paulo Roberto Costa, Fernando Baiano e Youssef citaram Cunha em suas delações. E quando Lula foi conduzido coercitivamente a depor? Quando tudo parecia impunidade, os presidentes e donos das maiores empreiteiras do país apareceram algemados. Foi paixão a primeira vista. E não foi só pra mim, acho.

Passei algumas manhãs acompanhando os desdobramentos das operações desencadeadas pelo Brasil e que avançavam sem receios do poder econômico ou político e, por algum momento, sem distinção partidária.

Começamos a "namorar" quando ela estava na 14a fase e prendeu Marcelo Odebrecht. Parecia que um novo Brasil começava ali.

Vimos as contas da Petrobras serem devassadas. Centenas de contratos públicos superfaturados firmados com empreiteiras  com objetivo de regar as campanhas eleitorais bilionárias de anos anteriores foram desmascarados. Não cheguei a bater panela pra Dilma porque via que o Congresso era o problema. Devo ter divulgado dados sem pesquisar. Escrevi bobagens na timeline do Facebook. Perdi mais de meia dúzia de amigos e junto com eles a possibilidade de um debate de alto nível. Sofremos com os descrentes que falavam que ela acabaria depois do golpe, rimos com os entusiastas ufanistas que defendiam a "intervenção" militar pra restauração da "moral". Tivemos, segundo estatisticas não oficiais, 70 delações premiadas escancarando os padrões éticos da política nacional.

Viajamos o equivalente a um mundo nesse dois anos, eu de avião mesmo, trabalhando, e ela nos noticiários internacionais, a House of Cards brasileira. Dos dez políticos que eu mais abomino vinte foi ela quem me apresentou

Aprendi o que era esperança por um país justo, delação premiada, celeridade processual e tantos outros termos fora do meu vocabulário, digamos, de exatas.

Ontem terminamos. E não está sendo fácil. Não chorei porque ainda não deu tempo de olhar pra trás e lembrar...

"Lembra da Lava-jato? Aquele movimento que parecia fazer as coisas mudarem no Brasil?"

Com certeza, levaria ela comigo pra sempre, mas ela acabou.

Ontem em exposição cheia de "convicções", como têm-se dito, e poucos fatos novos o procurador Dallagnol demoliu os alicerces da Lava-Jato: a credibilidade e a isenção.

Ele conseguiu unir críticos e defensores do "lulopetismo" em um única conclusão: foi patético. E assim, como previam os pessimistas com o qual sofremos antes, a Lava-Jato, repito, acabou ontem.

Havia até indícios para crer que o fim começou antes, com a anulação da delação de Léo Pinheiro, ou com o golpe parlamentar em Dilma e talvez, por fim, no episódio da exoneração do Advogado-Geral da União Fábio Medina Osório que foi embora acusando o atual governo de objetivar frear a operação.

Convicções não denotam má intenção, e as minhas indicam que Dallagnol não objetivava o fim que alcançou.

A Lava-jato termina ontem com Lula mais "inocente" nas convicções daqueles que o seguem e uma oposição certa de que a trapalhada apresentada pelos procuradores em primária apresentação com extensão .ppt tira também qualquer chance de avanço dessa devassa da justiça sobre seus os verdes pastos regados à dinheiro sujo da corrupção.

Era tudo o que eles queriam, o fim da Lava-Jato. Agora, não falta nada.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Vão-se os anéis, ficam os dedos

Rementendo às superstições que acreditam trazer prosperidade e sucesso, em 08 de Agosto de 2008, pontualmente às 20:08 os chineses apresentavam aos outros 5/6 do mundo a China que é potência econômica, política e, claro, esportiva. Muitos, como eu, interpretaram a abertura épica e a organização daqueles jogos olímpicos como o credenciamento final do gigante asiático ao restrito hall de países desenvolvidos.

Naquele mesmo ano, do outro lado desta bola rochosa perdida no espaço, um outro gigante brilhava como nunca antes e se posicionava como o sucessor natural ao acesso desse mesmo hall. Senti que o próximo da fila, se é que ela existe, finalmente seriamos nós.

Enquanto os membros do mundo desenvolvido do qual sempre quisemos fazer parte pareciam saltar sincronizadamente na crise financeira que atingia a economia global, por aqui a euforia era total e, segundo algumas figuras públicas notáveis, só uma marolinha da onda da crise chegaria por aqui.

Assim como Ícaro (ah sempre os gregos) nossas asas de cera e mel estavam deslumbrantemente prontas para alçar vôo. Nosso Sol: os Jogos Olímpicos de 2016.

Oito anos se passaram...

A marola ganhou força ao aproximar-se da rasa costa brasileira e, se nos países menos "abençoados por Deus" terremotos são seguidos de tsunami, por aqui ocorreu o contrário: o tsunami econômico foi seguido por um terremoto político.

Se intepretado semanticamente teríamos um incalculável estrago, o sentido figurado dessas catástrofes não fica atrás.

Sobrou pouco daquele Brasil de 2008 (nem as figuras notáveis se salvaram) e nossas asas de Ícaro parecem mais perto que nunca de derreter no calor do implacável Sol Tropical que nos seduzia há oito anos.

É muito provável que os jogos do Rio sejam lembrados pela quantidade de problemas antes e durante as disputas...

-Mas é sempre assim...- alguns dizem.

Dúvido muito que britânicos, chineses, gregos, australianos e americanos que organizaram os últimos jogos estariam aptos a usar argumento tão fajuto que com frequência "cola" por aqui.

Alguns se basearão no velho costume brasileiro de minimizar os problemas ignorando críticas e achando que o já consagrado jeitinho vai fazer as "coisas acontecerem" na hora que precisar e o "espírito festivo" tupiniquim criará uma atmosfera festiva com o (suposto) sucesso que foi a Copa de 2015.

Outros tão pouco realistas quanto os primeiros dirão que tudo foi um desastre. Exaltarão a incompetência inata deste povo fadado ao atraso, condenado à sua pequenez histórica. Às vezes tenho a impressão que diminuir quaisquer manifestações de esforço coletivo é por aqui equivocadamente interpretado como sinônimo de lucidez.

O conflito de opiniões e expectativas ficou claro quando o presidente do COI Thomas Bach disse que esse seria um evento "À la Brasil".

-O que será que ele quis dizer?

Para não expor demais o cômite local, e evitar mais polêmicas nos já complicados jogos do Rio, Bach esclareceu que quis exaltar o clima festivo do povo local.

Postos fatos e (mais) opiniões, a conclusão que chego é a de que ainda somos como o Ícaro preso no labirinto de Minos, seguimos perdidos e sem asas mas de alguma maneira mais cientes de que asas de cera não são as melhores para alçar o vôo que nos levará ao objetivo desejado.

Portanto, se o filho de Dédalo não teve a chance de ter um final de melhor sorte, o Brasil poderá de hoje em diante trabalhar em "asas melhores" sabendo que alcançar o tão desejado lugar ao Sol (não somente olímpico) é tarefa que demanda tempo, amadurecimento e, fundamentalmente, mudanças culturais fortes, ou seja, um labirinto muito mais sinuoso e cheio de rotas falsas que o análogo do mito grego.

Se a frustração é grande nesse momento é preciso lembrar que apesar de tudo o velho provérbio, em versão adaptada, nos dá um consolo com fundo de esperança:

Vão-se os anéis, olímpicos, mas ficam os dedos.

Portanto, declaro aberta a busca por um destino melhor pra todos nós.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Esqueçam a Alemanha!


Brasil 0 x 1 Peru.

E o Brasil volta pra casa com escalas em Frankfurt, Zurique, Dubai e Hong Kong.

Casa?

Ok. Faz tempo que exportamos futebolistas pro mundo e assim é o futebol globalizado que também é conhecido por não ter mais "bobos" em campo. Será?

Aqui nasceram craques em todas as épocas e, por obra sabe-se-lá do quê - geografia, clima, genética, culinária - arrisco dizer com 5 estrelas no peito que temos, de longe, o melhor futebol do mundo.

"Ahh mas a Alemanha..."

Pegue aleatoriamente 11 alemães e 11 brasileiros. Coloque-os em campo e repita o processo cem vezes mais. Vai sobrar 7 a 1 pro nosso lado.

Mas não é esse o caso.

Escolhemos (supostamente) o mais capaz e preparado para eleger os 11 melhores de nós numa seleção. Fizemos isso tão bem nos últimos anos que o processo ganhou letra maiúscula e virou instituição com fama mundial, a Seleção.

Apesar do sucesso, o posto de técnico da Seleção não é fácil num país de 200 milhões de técnicos como reza o slogan clichê.

A relação controversa com a mal acostumada ( e bem servida) torcida canarinho produziu frases
históricas como o célebre "Vocês vão ter que me engolir" proferido em 1997 pelo Tricampeão mundial Zagallo.

Tivemos que engolir mesmo, Professor Zagallo...

Taí uma honraria de raro valor quando o assunto é Seleção: ganhar o título de Professor...

Por aqui diz-se que todo time campeão tem os carregadores de piano cuja vontade e raça se sobrepõem à técnica e elegância.

Foi com vontade contagiante que Dunga ergueu a taça em 1994 e será eternamente o capitão do Tetra.

Mas o capitão Dunga nunca será o Professor Dunga.

A impossibilidade de atingir um posto reservado a poucos passa por um estilo de jogo apático, galáctico e truculento que, fundamentalmente, se esconde em farpas das raízes do nosso futebol vivo, alegre e leve. O futebol brasileiro.

Com alguma ajuda de Wikipedia e da minha memória de torcedor lá vai:

Em 1994, 11 dos 22 jogavam no Brasil. Campeão mundial após 24 anos de espera. Ufa!

Em 1997, 9 dos 22 jogavam no Brasil. Campeão da Copa das Confederações com direito a 6 a 0 na final contra uma improvável Austrália.

Em 1998, 9 dos 22 jogavam no Brasil. Vice campeão mundial (minha eterna frustração).

Em 2002, 13 dos 23 jogavam no Brasil. Campeão Mundial.

Em 2004, 11 dos 22 jogavam no Brasil. Campeão da Copa América com empate histórico e vitoria nos penalties contra a Argentina. Até hoje assisto aqueles últimos 5 minutos em que o jogo parecia perdido.

Em 2007, 3 dos 23 jogavam no Brasil. Campeão da Copa América com Dunga com um inacreditável 3 a 1 na final contra a Argentina novamente.

Em 2009, 7 dos 23 jogavam no Brasil. Campeão da Copa das Confederações numa virada contra um improvável 0 x 2 aberto pelos EUA. Aquele primeiro tempo eu lembro bem Dunga.

Em 2010, 3 dos 23 jogavam no Brasil. Felipe Melo era Dunga em campo. Deu no que deu.

Em 2013, 11 dos 23 jogavam no Brasil. Brasil campeão da Copa das Confederações com um 3 a 0 sobre a então campeã mundial Espanha.

Em 2014, 4 dos 23 jogavam no Brasil. Bom, já falei sobre isso.

Alguns críticos dos recentes vexames da Seleção evocam como modelo a se seguir o futebol praticado na Europa por Barcelona e Bayer especialmente. Também gostam de exaltar o case de sucesso organizacional germânico esquecendo-se que as desorganizadas escolas sulamericanas detem quase metade dos mundiais já disputados. E se aquela bola do Higuaín entra?

Dunga e parte da crítica não entendem que a história que o primeiro fez parte e a segunda documentou começa aqui na minha rua como em tantas outras, vai pelo campinho de terra batida como tantos outros chegando no Morumbi cercado pelo cheiro de sanduíche de pernil como tantos outros estádios do país, ou seja, tem que ser protagonizada por aqueles que jogam aqui!

Os números me parecem mais convincentes do que qualquer romantismo que eu pareça trasparecer e sendo bastante objetivo: tem Europa demais na nossa Seleção.

Esqueçam a Alemanha, nosso futebol permanece aqui escondido atrás da muralha de espinhos e certezas da indesejada segunda Era Dunga que, espero, termine antes que chegue uma trágica ausência na Copa de 18.


terça-feira, 29 de março de 2016

Brasil líquido

Já não se batem panelas mais. 

Não é preciso. 

O objetivo de derrubar o governo eleito através de um constitucional (sim) e questionável (também) processo de impeachment caminha na cadência que pede o cortejo de uma nação. A derrota não é de um individuo ou grupo, mas de um país inteiro.

Derrubar um governo no seu segundo ano de mandato é sinal de fracasso. Seja pelo equívoco da escolha feita seja pela falta de alternativas menos traumáticas para a economia e para a política que pudessem tornar um governo viável.

A solução segue as tendências da modernidade líquida de Baumann e outros pensadores onde substituir é mais fácil do que consertar. A regra, achava eu, valia para coisas, pessoas, amores talvez. Destinos de nações me parece demais agora.

O precedente está aberto.

"Compramos" a queda de Dilma como quem troca de celular que no fim das contas, vai fazer mais do mesmo. A "prateleira" tinha poucas opções o que na minha modesta visão fazia da opção pela manuntenção uma boa. Mas a questão não é essa. É preciso comprar a "mudança".

Nos meios que frequento, dizer que é contra a saída de Dilma gera reações de espanto similares às de dizer que não tem, por exemplo, um smartphone nos dias de hoje. 

Bastou a Temer (que fez parte de tudo de errado deste governo) e ao PMDB esperar. A obsolescência programada deste governo já estava configurada desde a divulgação do resultado do pleito de 2014. Era só aguardar uma novidade no "mercado". 

E ela veio do Paraná.

Como qualquer produto, tudo começou com a matéria prima que veio de Curitiba. Matéria prima de qualidade e que espero virar algo realmente bom pro país.

O problema é que o produto final preferido acabou sendo montado pelos setores da imprensa que tem tradição pela defesa de interesses não-coletivos e acostumados em vender "coisas".

Assim, lapidado por profissionais o produto acabado estava pronto para um mercado sedento de "impeachmaníacos".

Dormimos na porta da loja, brigamos pra ter, discriminamos quem não comprou, não temos como viver sem.

Porém, como de costume, não lemos direito o manual de instruções que no nosso caso é conhecida pelo nome constituição.

Também me parece que esquecemos que é preciso pagar por essa compra. 

Neste caso o pagamento à vista nunca é uma opção e a compra no crédito parece longs demais e vai comprometer as "compras essenciais" do futuro.

O Brasil não vai mudar. Este produto não está e nunca esteve disponível no mercado.




domingo, 13 de março de 2016

Polarizados?

São 2:40 da manhã de mais um dia que entrará para a história do Brasil.

Ao que tudo indica, milhares de pessoas vão às ruas na tarde de hoje pedir, entre outras coisas, o impeachment da presidente reeleita Dilma Roussef.

Os ânimos estão cada vez mais acirrados numa polarização inventada dos discursos contra e em favor da atual liderança do executivo.

Digo inventada pois só é possível definir uma divisão em pólos quando há maneiras objetivas de se dividir as partes envolvidas e esse não parece ser o caso.

Listando as seguintes características:

-Não tolera a opinião contrária.
-Faz vista grossa para alguns personagens políticos atolados em denúncias de corrupção.
-Acha que aqueles que pensam de maneira contrária querem beneficiar um grupo em detrimento do todo.
-Acha que o suposto outro lado odeia rico/pobre.
-Compartilha conteúdo de fontes duvidosas nas redes sociais.

Postas as características acima, de quem falamos?

Pois é, pensou em coxinha/mortadela. Errou. Esse aí é você!

Mas calma que a culpa disso não é sua, nem minha, nem do outro, mas de todos nós.

A polarização inventada e colocada no nosso inconsciente coletivo pelos meios de comunicação formadores de opinião beneficia quem a não ser os próprios meios de comunicação formadores de opinião? E quem perde?

Certamente todos.

Caberia a cada um de nós ter a visão crítica necessária para entender que fatos não são informados de maneira isenta nunca. O professor Leandro Karnal escreveu em um dos seus posts no Facebook sobre o que faz diferença para formar um espírito crítico e nele sugere algumas leituras:

[...]
Exemplo inicial: Bíblia. Livro formador do pensamento ocidental. Sem ela  quase nada faz muito sentido, da Capela  Sistina ao Caim de Saramago. Não é religioso? Aprenda que o seu gosto é irrelevante na formação do mundo ocidental. Tem ojeriza a textos religiosos? Vc será pó e a Bíblia continuará a ter muita influência no mundo mil anos depois que seu sobrenome tiver virado fumaça nas brumas do tempo. Formação não é preferir coca zero com gelo ou só limão . Formação é processo de diálogo denso e árduo com as bases do mundo.
[...]

Talvez o que eu esteja fazendo vá na direção contrária ao que sugere o professor Karnal uma vez que meu embasamento não é tão sólido e parte de simples observação do mundo ao meu redor. Entretanto penso que vivemos uma crise do espírito crítico/formação por ele definidos uma vez que achamos que só a nossa interpretação dos fatos é relevante.

Blindar-se de qualquer discurso que não seja uníssono com o meu tiraria a solidez que essa posição deve transparecer ao olhar do outro.

É muito provável que durante este dia o universo seja dividido em Quem-foi e Quem-não-foi e que esta classificação torne-se condição inequívoca para que sua opinião seja sumariamente ignorada e/ou ridicularizada pelo dito "outro lado".

Paradoxalmente quanto mais aceitamos a imposição dessa divisão, mais parecidos nos tornamos.

domingo, 25 de outubro de 2015

por Helio Gurovitz

Para além de coxinhas e mortadelas


O filósofo canadense Joseph Heath, da Universidade de Toronto,  autor de Enlightenment 2.0Em praticamente todas as democracias, a política contemporânea tem sido marcada pela polarização e pelo discurso extremista e irracional. O ódio assumiu o lugar do diálogo produtivo nas disputas entre republicanos e democratas, entre liberais e conservadores, ou mesmo – para usar os termos da moda aqui no Brasil – entre coxinhas e mortadelas. A vitória de Justin Trudeau, do Partido Liberal, nas últimas eleições canadenses foi uma exceção, pois ele é um candidato de matiz moderado, como já escrevi aqui. Mesmo assim, a campanha canadense foi marcada pela polarização. O filósofo Joseph Heath, da Universidade de Toronto, lançou no ano passado um livro que tenta decifrar esse fenômeno e propor saídas para ele. Para Heath, como explico em minha coluna desta semana na revista Época, a raiz da irracionalidade na política são as críticas feitas aos ideiais do Iluminismo ao longo do século XX, marcado por guerras, genocídios e armas nucleares. É verdade, diz Heath, que os iluministas desprezaram a força da intuição e de nossas emoções. Mas os arautos modernos da intuição se transformaram em defensores de decisões irracionais, quando não simplesmente erradas. O motivo é a ignorância de ambos, iluministas e seus críticos, a respeito do funcionamento da mente humana, descrito por conhecimentos que emergiram apenas nas últimas décadas. O principal é a descoberta dos dois sistemas que regem a tomada de decisões. O primeiro, baseado na razão e na linguagem, mais lento e seguro. O segundo, baseado na intuição e nas emoções, mais veloz e mais propenso a erros. Não dá, diz Heath, para ignorar nenhum dos dois. Mas é preciso reconhecer o óbvio: a razão sempre tem razão. Heath defende, portanto, que a sociedade e as instituições desenvolvam truques capazes de driblar as ilusões oriundas das nossas intuições. É um retorno ao primado da razão, às decisões mais lentas e fundamentadas, resultado de discussões amplas e profundas – uma proposta que ele chama de Iluminismo 2.0. Difícil, mas não impossível.