quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Desculpe o transtorno, preciso falar da Lava-Jato


Conheci ela num Jornal Nacional apresentado por um William Bonner ainda casado com Fátima Bernardes. Pode parecer bastante "coxinha" imaginar aquele lar classe média anti-petista paulistana. Mas as reportagens e fases que se seguiram nos meses adiante era tudo que precisávamos naquele momento após o agitado ano de 2013. De novo, não eram só 20 centavos.

Ela tinha destaque na Globo. Minha família assiste Globo. Eu não assisto Globo, mas vivo sob o mesmo teto que minha família.

Ela estava lá. Denunciando, prendendo, delatando. Nunca vou me esquecer quando Cerveró, Paulo Roberto Costa, Fernando Baiano e Youssef citaram Cunha em suas delações. E quando Lula foi conduzido coercitivamente a depor? Quando tudo parecia impunidade, os presidentes e donos das maiores empreiteiras do país apareceram algemados. Foi paixão a primeira vista. E não foi só pra mim, acho.

Passei algumas manhãs acompanhando os desdobramentos das operações desencadeadas pelo Brasil e que avançavam sem receios do poder econômico ou político e, por algum momento, sem distinção partidária.

Começamos a "namorar" quando ela estava na 14a fase e prendeu Marcelo Odebrecht. Parecia que um novo Brasil começava ali.

Vimos as contas da Petrobras serem devassadas. Centenas de contratos públicos superfaturados firmados com empreiteiras  com objetivo de regar as campanhas eleitorais bilionárias de anos anteriores foram desmascarados. Não cheguei a bater panela pra Dilma porque via que o Congresso era o problema. Devo ter divulgado dados sem pesquisar. Escrevi bobagens na timeline do Facebook. Perdi mais de meia dúzia de amigos e junto com eles a possibilidade de um debate de alto nível. Sofremos com os descrentes que falavam que ela acabaria depois do golpe, rimos com os entusiastas ufanistas que defendiam a "intervenção" militar pra restauração da "moral". Tivemos, segundo estatisticas não oficiais, 70 delações premiadas escancarando os padrões éticos da política nacional.

Viajamos o equivalente a um mundo nesse dois anos, eu de avião mesmo, trabalhando, e ela nos noticiários internacionais, a House of Cards brasileira. Dos dez políticos que eu mais abomino vinte foi ela quem me apresentou

Aprendi o que era esperança por um país justo, delação premiada, celeridade processual e tantos outros termos fora do meu vocabulário, digamos, de exatas.

Ontem terminamos. E não está sendo fácil. Não chorei porque ainda não deu tempo de olhar pra trás e lembrar...

"Lembra da Lava-jato? Aquele movimento que parecia fazer as coisas mudarem no Brasil?"

Com certeza, levaria ela comigo pra sempre, mas ela acabou.

Ontem em exposição cheia de "convicções", como têm-se dito, e poucos fatos novos o procurador Dallagnol demoliu os alicerces da Lava-Jato: a credibilidade e a isenção.

Ele conseguiu unir críticos e defensores do "lulopetismo" em um única conclusão: foi patético. E assim, como previam os pessimistas com o qual sofremos antes, a Lava-Jato, repito, acabou ontem.

Havia até indícios para crer que o fim começou antes, com a anulação da delação de Léo Pinheiro, ou com o golpe parlamentar em Dilma e talvez, por fim, no episódio da exoneração do Advogado-Geral da União Fábio Medina Osório que foi embora acusando o atual governo de objetivar frear a operação.

Convicções não denotam má intenção, e as minhas indicam que Dallagnol não objetivava o fim que alcançou.

A Lava-jato termina ontem com Lula mais "inocente" nas convicções daqueles que o seguem e uma oposição certa de que a trapalhada apresentada pelos procuradores em primária apresentação com extensão .ppt tira também qualquer chance de avanço dessa devassa da justiça sobre seus os verdes pastos regados à dinheiro sujo da corrupção.

Era tudo o que eles queriam, o fim da Lava-Jato. Agora, não falta nada.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Vão-se os anéis, ficam os dedos

Rementendo às superstições que acreditam trazer prosperidade e sucesso, em 08 de Agosto de 2008, pontualmente às 20:08 os chineses apresentavam aos outros 5/6 do mundo a China que é potência econômica, política e, claro, esportiva. Muitos, como eu, interpretaram a abertura épica e a organização daqueles jogos olímpicos como o credenciamento final do gigante asiático ao restrito hall de países desenvolvidos.

Naquele mesmo ano, do outro lado desta bola rochosa perdida no espaço, um outro gigante brilhava como nunca antes e se posicionava como o sucessor natural ao acesso desse mesmo hall. Senti que o próximo da fila, se é que ela existe, finalmente seriamos nós.

Enquanto os membros do mundo desenvolvido do qual sempre quisemos fazer parte pareciam saltar sincronizadamente na crise financeira que atingia a economia global, por aqui a euforia era total e, segundo algumas figuras públicas notáveis, só uma marolinha da onda da crise chegaria por aqui.

Assim como Ícaro (ah sempre os gregos) nossas asas de cera e mel estavam deslumbrantemente prontas para alçar vôo. Nosso Sol: os Jogos Olímpicos de 2016.

Oito anos se passaram...

A marola ganhou força ao aproximar-se da rasa costa brasileira e, se nos países menos "abençoados por Deus" terremotos são seguidos de tsunami, por aqui ocorreu o contrário: o tsunami econômico foi seguido por um terremoto político.

Se intepretado semanticamente teríamos um incalculável estrago, o sentido figurado dessas catástrofes não fica atrás.

Sobrou pouco daquele Brasil de 2008 (nem as figuras notáveis se salvaram) e nossas asas de Ícaro parecem mais perto que nunca de derreter no calor do implacável Sol Tropical que nos seduzia há oito anos.

É muito provável que os jogos do Rio sejam lembrados pela quantidade de problemas antes e durante as disputas...

-Mas é sempre assim...- alguns dizem.

Dúvido muito que britânicos, chineses, gregos, australianos e americanos que organizaram os últimos jogos estariam aptos a usar argumento tão fajuto que com frequência "cola" por aqui.

Alguns se basearão no velho costume brasileiro de minimizar os problemas ignorando críticas e achando que o já consagrado jeitinho vai fazer as "coisas acontecerem" na hora que precisar e o "espírito festivo" tupiniquim criará uma atmosfera festiva com o (suposto) sucesso que foi a Copa de 2015.

Outros tão pouco realistas quanto os primeiros dirão que tudo foi um desastre. Exaltarão a incompetência inata deste povo fadado ao atraso, condenado à sua pequenez histórica. Às vezes tenho a impressão que diminuir quaisquer manifestações de esforço coletivo é por aqui equivocadamente interpretado como sinônimo de lucidez.

O conflito de opiniões e expectativas ficou claro quando o presidente do COI Thomas Bach disse que esse seria um evento "À la Brasil".

-O que será que ele quis dizer?

Para não expor demais o cômite local, e evitar mais polêmicas nos já complicados jogos do Rio, Bach esclareceu que quis exaltar o clima festivo do povo local.

Postos fatos e (mais) opiniões, a conclusão que chego é a de que ainda somos como o Ícaro preso no labirinto de Minos, seguimos perdidos e sem asas mas de alguma maneira mais cientes de que asas de cera não são as melhores para alçar o vôo que nos levará ao objetivo desejado.

Portanto, se o filho de Dédalo não teve a chance de ter um final de melhor sorte, o Brasil poderá de hoje em diante trabalhar em "asas melhores" sabendo que alcançar o tão desejado lugar ao Sol (não somente olímpico) é tarefa que demanda tempo, amadurecimento e, fundamentalmente, mudanças culturais fortes, ou seja, um labirinto muito mais sinuoso e cheio de rotas falsas que o análogo do mito grego.

Se a frustração é grande nesse momento é preciso lembrar que apesar de tudo o velho provérbio, em versão adaptada, nos dá um consolo com fundo de esperança:

Vão-se os anéis, olímpicos, mas ficam os dedos.

Portanto, declaro aberta a busca por um destino melhor pra todos nós.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Esqueçam a Alemanha!


Brasil 0 x 1 Peru.

E o Brasil volta pra casa com escalas em Frankfurt, Zurique, Dubai e Hong Kong.

Casa?

Ok. Faz tempo que exportamos futebolistas pro mundo e assim é o futebol globalizado que também é conhecido por não ter mais "bobos" em campo. Será?

Aqui nasceram craques em todas as épocas e, por obra sabe-se-lá do quê - geografia, clima, genética, culinária - arrisco dizer com 5 estrelas no peito que temos, de longe, o melhor futebol do mundo.

"Ahh mas a Alemanha..."

Pegue aleatoriamente 11 alemães e 11 brasileiros. Coloque-os em campo e repita o processo cem vezes mais. Vai sobrar 7 a 1 pro nosso lado.

Mas não é esse o caso.

Escolhemos (supostamente) o mais capaz e preparado para eleger os 11 melhores de nós numa seleção. Fizemos isso tão bem nos últimos anos que o processo ganhou letra maiúscula e virou instituição com fama mundial, a Seleção.

Apesar do sucesso, o posto de técnico da Seleção não é fácil num país de 200 milhões de técnicos como reza o slogan clichê.

A relação controversa com a mal acostumada ( e bem servida) torcida canarinho produziu frases
históricas como o célebre "Vocês vão ter que me engolir" proferido em 1997 pelo Tricampeão mundial Zagallo.

Tivemos que engolir mesmo, Professor Zagallo...

Taí uma honraria de raro valor quando o assunto é Seleção: ganhar o título de Professor...

Por aqui diz-se que todo time campeão tem os carregadores de piano cuja vontade e raça se sobrepõem à técnica e elegância.

Foi com vontade contagiante que Dunga ergueu a taça em 1994 e será eternamente o capitão do Tetra.

Mas o capitão Dunga nunca será o Professor Dunga.

A impossibilidade de atingir um posto reservado a poucos passa por um estilo de jogo apático, galáctico e truculento que, fundamentalmente, se esconde em farpas das raízes do nosso futebol vivo, alegre e leve. O futebol brasileiro.

Com alguma ajuda de Wikipedia e da minha memória de torcedor lá vai:

Em 1994, 11 dos 22 jogavam no Brasil. Campeão mundial após 24 anos de espera. Ufa!

Em 1997, 9 dos 22 jogavam no Brasil. Campeão da Copa das Confederações com direito a 6 a 0 na final contra uma improvável Austrália.

Em 1998, 9 dos 22 jogavam no Brasil. Vice campeão mundial (minha eterna frustração).

Em 2002, 13 dos 23 jogavam no Brasil. Campeão Mundial.

Em 2004, 11 dos 22 jogavam no Brasil. Campeão da Copa América com empate histórico e vitoria nos penalties contra a Argentina. Até hoje assisto aqueles últimos 5 minutos em que o jogo parecia perdido.

Em 2007, 3 dos 23 jogavam no Brasil. Campeão da Copa América com Dunga com um inacreditável 3 a 1 na final contra a Argentina novamente.

Em 2009, 7 dos 23 jogavam no Brasil. Campeão da Copa das Confederações numa virada contra um improvável 0 x 2 aberto pelos EUA. Aquele primeiro tempo eu lembro bem Dunga.

Em 2010, 3 dos 23 jogavam no Brasil. Felipe Melo era Dunga em campo. Deu no que deu.

Em 2013, 11 dos 23 jogavam no Brasil. Brasil campeão da Copa das Confederações com um 3 a 0 sobre a então campeã mundial Espanha.

Em 2014, 4 dos 23 jogavam no Brasil. Bom, já falei sobre isso.

Alguns críticos dos recentes vexames da Seleção evocam como modelo a se seguir o futebol praticado na Europa por Barcelona e Bayer especialmente. Também gostam de exaltar o case de sucesso organizacional germânico esquecendo-se que as desorganizadas escolas sulamericanas detem quase metade dos mundiais já disputados. E se aquela bola do Higuaín entra?

Dunga e parte da crítica não entendem que a história que o primeiro fez parte e a segunda documentou começa aqui na minha rua como em tantas outras, vai pelo campinho de terra batida como tantos outros chegando no Morumbi cercado pelo cheiro de sanduíche de pernil como tantos outros estádios do país, ou seja, tem que ser protagonizada por aqueles que jogam aqui!

Os números me parecem mais convincentes do que qualquer romantismo que eu pareça trasparecer e sendo bastante objetivo: tem Europa demais na nossa Seleção.

Esqueçam a Alemanha, nosso futebol permanece aqui escondido atrás da muralha de espinhos e certezas da indesejada segunda Era Dunga que, espero, termine antes que chegue uma trágica ausência na Copa de 18.


terça-feira, 29 de março de 2016

Brasil líquido

Já não se batem panelas mais. 

Não é preciso. 

O objetivo de derrubar o governo eleito através de um constitucional (sim) e questionável (também) processo de impeachment caminha na cadência que pede o cortejo de uma nação. A derrota não é de um individuo ou grupo, mas de um país inteiro.

Derrubar um governo no seu segundo ano de mandato é sinal de fracasso. Seja pelo equívoco da escolha feita seja pela falta de alternativas menos traumáticas para a economia e para a política que pudessem tornar um governo viável.

A solução segue as tendências da modernidade líquida de Baumann e outros pensadores onde substituir é mais fácil do que consertar. A regra, achava eu, valia para coisas, pessoas, amores talvez. Destinos de nações me parece demais agora.

O precedente está aberto.

"Compramos" a queda de Dilma como quem troca de celular que no fim das contas, vai fazer mais do mesmo. A "prateleira" tinha poucas opções o que na minha modesta visão fazia da opção pela manuntenção uma boa. Mas a questão não é essa. É preciso comprar a "mudança".

Nos meios que frequento, dizer que é contra a saída de Dilma gera reações de espanto similares às de dizer que não tem, por exemplo, um smartphone nos dias de hoje. 

Bastou a Temer (que fez parte de tudo de errado deste governo) e ao PMDB esperar. A obsolescência programada deste governo já estava configurada desde a divulgação do resultado do pleito de 2014. Era só aguardar uma novidade no "mercado". 

E ela veio do Paraná.

Como qualquer produto, tudo começou com a matéria prima que veio de Curitiba. Matéria prima de qualidade e que espero virar algo realmente bom pro país.

O problema é que o produto final preferido acabou sendo montado pelos setores da imprensa que tem tradição pela defesa de interesses não-coletivos e acostumados em vender "coisas".

Assim, lapidado por profissionais o produto acabado estava pronto para um mercado sedento de "impeachmaníacos".

Dormimos na porta da loja, brigamos pra ter, discriminamos quem não comprou, não temos como viver sem.

Porém, como de costume, não lemos direito o manual de instruções que no nosso caso é conhecida pelo nome constituição.

Também me parece que esquecemos que é preciso pagar por essa compra. 

Neste caso o pagamento à vista nunca é uma opção e a compra no crédito parece longs demais e vai comprometer as "compras essenciais" do futuro.

O Brasil não vai mudar. Este produto não está e nunca esteve disponível no mercado.




domingo, 13 de março de 2016

Polarizados?

São 2:40 da manhã de mais um dia que entrará para a história do Brasil.

Ao que tudo indica, milhares de pessoas vão às ruas na tarde de hoje pedir, entre outras coisas, o impeachment da presidente reeleita Dilma Roussef.

Os ânimos estão cada vez mais acirrados numa polarização inventada dos discursos contra e em favor da atual liderança do executivo.

Digo inventada pois só é possível definir uma divisão em pólos quando há maneiras objetivas de se dividir as partes envolvidas e esse não parece ser o caso.

Listando as seguintes características:

-Não tolera a opinião contrária.
-Faz vista grossa para alguns personagens políticos atolados em denúncias de corrupção.
-Acha que aqueles que pensam de maneira contrária querem beneficiar um grupo em detrimento do todo.
-Acha que o suposto outro lado odeia rico/pobre.
-Compartilha conteúdo de fontes duvidosas nas redes sociais.

Postas as características acima, de quem falamos?

Pois é, pensou em coxinha/mortadela. Errou. Esse aí é você!

Mas calma que a culpa disso não é sua, nem minha, nem do outro, mas de todos nós.

A polarização inventada e colocada no nosso inconsciente coletivo pelos meios de comunicação formadores de opinião beneficia quem a não ser os próprios meios de comunicação formadores de opinião? E quem perde?

Certamente todos.

Caberia a cada um de nós ter a visão crítica necessária para entender que fatos não são informados de maneira isenta nunca. O professor Leandro Karnal escreveu em um dos seus posts no Facebook sobre o que faz diferença para formar um espírito crítico e nele sugere algumas leituras:

[...]
Exemplo inicial: Bíblia. Livro formador do pensamento ocidental. Sem ela  quase nada faz muito sentido, da Capela  Sistina ao Caim de Saramago. Não é religioso? Aprenda que o seu gosto é irrelevante na formação do mundo ocidental. Tem ojeriza a textos religiosos? Vc será pó e a Bíblia continuará a ter muita influência no mundo mil anos depois que seu sobrenome tiver virado fumaça nas brumas do tempo. Formação não é preferir coca zero com gelo ou só limão . Formação é processo de diálogo denso e árduo com as bases do mundo.
[...]

Talvez o que eu esteja fazendo vá na direção contrária ao que sugere o professor Karnal uma vez que meu embasamento não é tão sólido e parte de simples observação do mundo ao meu redor. Entretanto penso que vivemos uma crise do espírito crítico/formação por ele definidos uma vez que achamos que só a nossa interpretação dos fatos é relevante.

Blindar-se de qualquer discurso que não seja uníssono com o meu tiraria a solidez que essa posição deve transparecer ao olhar do outro.

É muito provável que durante este dia o universo seja dividido em Quem-foi e Quem-não-foi e que esta classificação torne-se condição inequívoca para que sua opinião seja sumariamente ignorada e/ou ridicularizada pelo dito "outro lado".

Paradoxalmente quanto mais aceitamos a imposição dessa divisão, mais parecidos nos tornamos.